terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Trecho: Estória 4


Luca sentou-se na poltrona de feltro, seus olhos examinavam Violeta. O quarto acomodava o breu. As janelas tinham sido fechadas, a porta levemente entreaberta trazia um vento gélido e pouco reconfortante. Violeta se mexeu. Os cabelos curtos encostaram-se à face suada, causando-lhe um exaspero incomum. Luca levantou, prevendo a euforia de Violeta, as mãos da mesma se tocavam a procura de conforto, bagunçavam seus cabelos, apertavam suas pálpebras. Ela lutava para despertar, e Luca foi até sua cama e segurou seus braços, obrigando-a relaxar. Ele não previu o grito exasperado que ela soltara em seguida, carregava dor. Balançou seus ombros, tocou em seus cabelos. Mas ela sequer o chamou. Seus braços lutaram vorazes para se desprenderem dele, enquanto suas unhas imputavam dor em si mesma, vincando-se sádicas em sua carne.
— Violeta, pare! — chamou assustado. — Porra, acorda! O que você está fazendo? — ela estava sangrando; as unhas haviam conseguido perfurar a pele de suas mãos.
Ele soltou-a aturdido e observou Violeta arranhar seus braços, seu rosto. A imagem fora tão assustadora que ele arfou, buscou por algum juízo dentro das frases abafadas dela, mas ouvia somente o desespero, a ânsia, o nojo de estar sendo tocada por ele. A mente dela trabalhava em um cenário obscuro, macabro e caótico. Dor. Dor. Dor. Sua pele queimava. Sua garganta ardia. Luca, ela precisava de Luca. Precisava daquele calor, do aconchego de seus braços, de seu silêncio. Alguém gritava dentro de sua cabeça; alguém a machucava. Mas quem? Onde ela estava? Gritou ao experimentar das mãos desconhecidas desferindo tapas em sua face, tapas que lhe trariam marcas. Agora ele a tocava nos braços, dizia para parar. Parar com o quê? O que ela tinha feito? Debateu-se, impedindo que seu agressor voltasse a feri-la. Ela tinha de encontrar um jeito de seu comunicar com Luca. Ele sabia que ela corria perigo? Suas pernas se contorceram, desprendendo-se da do homem em cima dela. Pediu por socorro. As casas vizinhas talvez a ouvissem, embora ela estivesse com portas e janelas trancadas. Rugiu.
— Violeta, pare! — a voz lhe disse de novo. — Me escuta! Acorde!
Acorde.
Forçou seus olhos e encontrou um par de orbes negro.
Luca.
As costas dele curvaram-se exaustas, mas suas mãos ainda mantinham-se em volta dos braços dela. Ele tinha de ter certeza que Violeta não voltaria a se machucar, não suportaria vê-la se contorcendo na agonia que ela própria causava a si.
Lágrimas.
Ela estava chorando. 

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Trecho: Nina no país dos livros


Nina gemeu inconsciente.
— Ei, garota, acorda. — chamou alguém.
Ela recebeu suaves tapinhas nas bochechas.
Virou para o outro lado, ela estava deitada em alguma coisa dura e desconfortável, enquanto seu casaco esquentava seus pés. Ela queria acreditar que tinha voltado para casa, que aquilo tudo não havia passado de um sonho maluco, mas a voz lhe era familiar e o cheiro de pão fresco preenchia o ar como na noite anterior. Ela ainda estava naquele pesadelo. Só um sonho, só um sonho!
Abriu ligeiramente um dos olhos e topou com o vazio. Estava virada para uma parede suja e úmida. A claridade batia de encontro a ela, incomodando seus olhos. A mão novamente tocou sua pele, só que agora mais impaciente. Sua mão serviu como proteção a iluminação intensa e mirou à imagem esguia e mal humorada do garoto que conhecera tarde passada. Ele estava com outro livro na mão, quase na metade de um exemplar de Shakespeare. Suspirou melancólica, pondo-se de pé quase que imediatamente.
— O que você quer comigo? — indagou agressiva.
Ele deu de ombros, visivelmente confuso.
— Não preciso da sua ajuda! Afogue-se em seus livros e me deixe em paz.
Marchou para longe dele, suas mãos agarravam o casaco com força. O barulho vindo do comércio abafava os chamados de... Qual era o nome dele mesmo? Ela tinha perguntado, ele tinha dito? Não desistiu de suas pisadas violentas no chão de terra. Que horas seria? Em que parte da cidade estaria? Quanto tinha andado desde ontem? Seu celular estava sem sinal. Nenhum de seus aparelhos eletrônicos funcionava. Suas roupas lhe deixavam com calor. Estava a ponto de gritar consigo mesma, quando uma mão alcançou seus braços.
Era ele, nem era necessário voltar-se para trás.
Suas mãos não mais carregavam a obra de Shakespeare, sua cabeleira ruiva estava bagunçada. Ficou esperando o que ele tinha a dizer, mas ao invés disso, ele lhe estendeu um pão. Só de olhar para a casca dourada, dura e suculenta sua boca salivou. Quis esconder essa urgência, mas o estômago a enganou. Estava sem comer a tanto tempo que podiam lhe servir uma pedra com molho de tomate e ela devoraria feliz. Ele aproximou o pão dela, sorrindo forçado. As covinhas surgiram tímidas pelo canto de seus lábios.
Até que ele era bonito.
Não o bastante para atraí-la, é claro. Mas gostava de seus traços rígidos e o formato triangular de seu rosto. As bochechas proeminentes, o queixo fino, a testa larga. Seus olhos amendoados e grandes piscavam ansiosos, enquanto os cabelos vermelhos balançavam disformes, caiam pela sua testa, escondendo ligeiramente seus olhos. Uma cicatriz longa e profunda se arrastava pela pele alva, um pouco abaixo da mandíbula. Desviou o olhar, constrangida. Havia passado tempo demais o encarando. Apanhou o pão das mãos dele, sem tocar em sua pele, e mordeu um pedaço do alimento cheiroso e quente. Estava uma delícia! Continuou a comê-lo, a fome era voraz, o desejo de devorar  aquele pão em instantes lhe era sufocante, mas tinha medo de que lhe acabasse.
— Desculpe se fui grosseiro ontem. Não foi minha intenção. — desculpou-se na defensiva. — Mas você também tem sua parcela de culpa. Andar de costas não é lá o modo mais esperto de se locomover. — soou irônico.
Nina mastigou irritada.
— Eu estou perdida! — alegou. — Quero voltar para casa.
— Você se perdeu? — perguntou divertido. — Diga-me que está de brincadeira.
Ela negou.
Estava tão exausta — seus músculos doíam, seu estômago doía, sua voz saia rouca e entrecortada. Nada estava certo. Longe de sua casa, longe de seu conforto, longe de tudo que lhe fazia feliz. Apertou as mãos em punhos, assustada com o que via. Era livro demais, mais do que ela vira em toda sua vida. Eles descansavam por todos os lugares. Nunca se sentira tão apavorada.
— Olha, eu posso te ajudar a procurar pela sua casa. — ponderou.
— Já disse, não quero sua ajuda! Você é um idiota, sabia? — encolheu-se, esbarrando em uma mulher que carregava uma criança no colo.
— Você é bem inconveniente, minha linda.
— Não sou sua linda! — afastou-se dele, ouvindo-o gargalhar à distância.

Template by:
Free Blog Templates